terça-feira, outubro 12, 2021

Direitos da Mulher e a Lei Maria da Penha

 Escrito por Joyce Figueiredo 

1 INTRODUÇÃO

 

Este assunto irá apresentar uma pequena conceituação sobre sexo e gênero para proporcionar melhor entendimento sobre o direito feminino dentro da história, mostrando as lutas e dificuldades desse público, num processo que envolve preconceitos e estereótipos dentro de uma sociedade patriarcal e machista.

Para combater essa situação, diversas ondas e manifestações ocorreram ao longo do tempo, em busca de igualdade e valorização do público feminino. No caso específico do Brasil, a cearense Maria da Penha exerceu um papel essencial para solidificar esses direitos tão menosprezados por anos, através de sua história de luta e resistência por quase 20 anos.

Sua batalha motivou a promulgação da lei 11.340/2006, que dispõe sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, representando uma conquista sem igual para muitas gerações, com pontos positivos que colaboraram para a defesa da vítima nessa situação tão complexa. Porém, a falta de investimento nessa área ainda é um empecilho para por em prática tudo que a legislação propõe.


2 DESENVOLVIMENTO

 

Antes de entender sobre o histórico da Lei Maria da Penha e os direitos conquistados pelas mulheres, é preciso estabelecer uma diferenciação entre sexo e gênero. O primeiro diz respeito às diferenciações biológicas do sistema reprodutor, masculino e feminino e o segundo relaciona-se aos papéis sociais e culturais construídos ao longo do tempo na sociedade, palco de preconceitos, estereótipos e desigualdade.

Sabe-se que até a renascença só havia uma concepção de sexo e as mulheres eram consideradas homens não evoluídos, tanto que seus órgãos nem eram estudados e sua menstruação era vista como algo negativo. Depois de muito esquecimento acerca desse gênero, no final do século XIX e início do século XX, surgiu a 1° onda feminista do movimento trabalhista sufragista, em busca de condições de trabalho regulamentadas e maiores direitos relacionados ao voto e a participação política. Já na segunda onda, nas décadas de 60 e 70, foi apontada a diferenciação de sexo e gênero e foram produzidos estudos sobre a opressão vivida por mulheres durante anos, com discussões sobre a objetificação, prostituição, dentre outras normas sociais, extremamente desiguais. Nesse período houve o surgimento dos anticoncepcionais, diminuindo o tabu da menstruação e do controle corporal da mulher.

No caso do Brasil, essas ondas permitiram a conquista do voto feminino e da licença gestante na Constituição de 1934. Além disso, surgiu, em 1962, o Estatuto da mulher casada como forma de exterminar sua incapacidade civil, anteriormente ligada ao poderio masculino. Um exemplo dessa situação ocorria quando um homem impedia legalmente sua mulher de trabalhar, com o pretexto de atrapalhar a unidade familiar. No entanto, essas mudanças não foram suficientes para acabar com o preconceito enraizado na sociedade.   

Um exemplo de tamanha injustiça ocorreu com Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em 1945, formada em bioquímica e Farmácia na Universidade do Ceará, além de mestre em Parasitologia em Análises Clínicas pela Universidade de SP. De acordo com as informações da ibiografia, ela se casou em 1976 com Marco Antonio Heredia Viveros, um colombiano que buscava se restabelecer no Brasil.

No início do casamento tudo era maravilhoso (como em quase todos os relacionamentos), mas após o nascimento de suas filhas e a definição de Marco como cidadão brasileiro, tudo se desmoronou, e a paz familiar transformou – se num palco de agressões psicológicas e físicas, que atingiram não só Maria, mas suas 03 filhas.

O cúmulo do absurdo ocorreu em 29 de maio de 1983, quando o colombiano transtornado planejou uma tentativa de homicídio contra sua esposa, em seu próprio lar, mudando de vez a vida de Maria da Penha. Com a justificativa de um assalto, Marco simplesmente pegou sua arma e atirou em sua mulher, deixando-a paraplégica para sempre.

Inicialmente, Maria acreditou na versão do marido, mas aos poucos ela percebeu que a versão de crime acidental poderia estar equivocada.  Após 04 meses de internação com cirurgias e diversos procedimentos, Maria continuou sofrendo agressões de todos os tipos, até o ápice de outra tentativa de homicídio, quando Marco tentou eletrocutá-la no banho. 

Tudo isso gerou muita indignação até que, conforme informações de Cunha e Pinto, 2007, p. 11-16, em 28 de setembro de 1984, Marco foi denunciado para a iniciação de um processo que o levaria ao Tribunal do Júri somente em 04 de maio de 1991, com o resultado de sua condenação. No entanto, com a interposição de recursos, nenhuma prisão foi efetuada e no dia 15 de março de 1996 um novo julgamento ocorreu, com a condenação de 10 anos e seis meses de prisão. Mas como no Brasil há muita lentidão processual, mais um recurso foi feito, levando a efetivação de sua prisão apenas em 2002, ou seja, 19 anos depois do ocorrido.

Pode-se dizer que o descaso existia pelo fato do crime doméstico ser tratado com descrédito e taxado de leve pelo judiciário, logo, quando aconteciam casos dessa categoria, na maioria das vezes, tudo era resolvido com o pagamento de multas e cestas básicas, levando em consideração a falta histórica de direitos femininos ao longo do tempo.  

Vale ressaltar que, a condenação em 2002 só ocorreu graças a luta constante de Maria da Penha no caso, com a divulgação de seu livro em 1994 “Sobrevivi... posso contar”, além de várias tentativas de comunicação com organismos internacionais de direitos humanos. Até que em 2001 a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por omissão e negligência, de acordo com a conclusão do Relatório n° 54:

 

 

[...] a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1 7 do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.

 

 

Além disso, foi recomendada a agilidade dos processos domésticos e uma sensibilização acerca dos danos causados à vítima.

A partir dessa mobilização internacional, o Brasil precisou se posicionar diante das demandas do público feminino, no caso específico da violência familiar, onde a mulher é considerada um gênero hiposuficiente, podendo ser exposta a vários tipos de agressões dentro do seu próprio lar.

Dentre as conquistas desse período, pode-se citar a prisão em 2002 de Marco Antonio, por crime de homicídio e a conquista da Lei Maria da Penha, de 07 de agosto de 2006, decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em homenagem a essa guerreira, que lutou por 19 anos por uma justiça efetiva.  

A lei n° 11.340/02 é de extrema importância dentro do arcabouço dos direitos humanos, visto que garante o tratamento devido às vítimas de violência psicológica, patrimonial, moral, física e sexual, dentro de seu ambiente familiar, com o devido acolhimento através de Delegacias e Centros Especializados; Casas-abrigo; Defensoria da mulher; Juizados e Promotorias Especializados, dentre outros instrumentos de muita valia para o público feminino.

Observa-se ainda dentro da legislação, em seu art. 3° a valorização efetiva “dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”, a partir de articulações, por exemplo, com a Lei Orgânica da Assistência Social, o Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Segurança Pública, em busca de oferecer uma ampla assistência à mulher, nesse momento delicado da vida, conforme o art. 9° da referida lei.

Outro ponto de muito valor é a possibilidade de medidas protetivas de urgência, definida por juiz de direito como forma de amenizar os danos sofridos pela vítima, podendo ocorrer de várias formas, conforme o Art. 22:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e         (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.       (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)

 

Em relação aos últimos dois incisos, é possível observar que a Lei n° 13.984 de 2020 trouxe uma inovação considerável em relação ao agressor, dando a oportunidade de um tratamento reeducativo com equipe multidisciplinar responsável pelo seu desempenho. Para tanto, é necessário uma valorização dessa temática nos estados e municípios, a fim de se alocar recursos específicos para o desenvolvimento dessa estratégia que visa modificar comportamentos, através da conscientização, visto que um ex-agressor pode se casar novamente e cometer os mesmos erros absurdos com outra parceira.

Vale ressaltar que, de acordo com a lei n° 13.641/2018, o descumprimento de tais medidas protetivas de urgência pode ocasionar a pena de 03 meses a 02 anos ao agressor, como forma de punição e limitação de tais práticas, a fim de promover eficácia legal.

Esses são alguns dos pontos positivos dentro da legislação, no entanto, existem certas dificuldades para pôr em prática toda essa conquista. De acordo com uma entrevista feita, pela Revista ÉPOCA, em 20/10/2019 com a tão famosa Maria da Penha, a maioria dos pequenos municípios do Brasil não é assistido por uma parte dos serviços especializados apontados na lei 13.340/2002, dificultando a proteção integral da mulher. Por exemplo, muitos locais não possuem Juizados de Violência Doméstica e Familiar, gerando lentidão e perda de prioridades dentro das varas comuns.

Outro dado importante é a previsão legal de acompanhamento psicossocial, programas de recuperação e reeducação ao agressor como forma de medida protetiva, mas nada disso pode se concretizar se não existir um grupo de trabalho específico para essa temática dentro dos próprios municípios. Atualmente existe o CR homem, em Duque de Caxias, com uma equipe multidisciplinar para o tratamento adequado aos agressores, servindo de exemplo para os demais municípios implementarem essa tão valiosa iniciativa.

Ou seja, é necessário investimentos em Juizados, Delegacias, Centros Especializados e até mesmo casas-abrigo, visto que muitas mulheres dependem economicamente dos maridos e acabam adiando a denúncia por não terem para onde ir. Daí também surge a necessidade legal de uma articulação com a esfera do trabalho e da educação para promover a independência dessas mulheres, através de parcerias com cursos e empresas que promovam a emancipação e, consequentemente, o rompimento do ciclo da violência.

 



3 CONCLUSÃO

 

Esse trabalho foi de extrema valia para entender a dificuldade da mulher em exercer seus direitos ao longo do tempo, dando destaque a atuação de Maria da Penha nas conquistas históricas brasileiras, no que diz respeito à violência doméstica de todos os tipos.

Vale ressaltar que a lei 11.340/06 não trata apenas das agressões físicas e sexuais, mas também das psicológicas, morais e patrimoniais, muitas vezes, ignoradas pela sociedade. Isso é algo muito preocupante, visto que, diversas mulheres vivem por anos sendo aprisionadas psicológicas acreditando que nunca vão encontrar alguém melhor do que seus maridos. Além do fato delas se sentirem presas financeiramente, com filhos e contas para pagar, num ciclo sem fim de destruição em todos os aspectos da vida.

Muitas delas são manipuladas emocionalmente pelos seus cônjuges e afastadas de seus familiares, sem nenhum tipo de convívio social, até mesmo para expressar toda indignação pelo qual são tratadas. Acorrentadas por uma tortura moral e psicológica elas se vêem sem auto-estima e forças para denunciarem esses atos truculentos, por isso é importante a disseminação dessa lei e a sensibilidade das pessoas para promover encaminhamentos para instrumentos de defesa da mulher, com a maior rapidez possível, já que, os ataques verbais podem se transformar em físicos, chegando a um ponto irreversível.

Para que toda essa proteção seja efetiva, é necessário um maior investimento público na área da violência doméstica, visto que o Brasil possui a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e há muito para se avançar nessa área.

Logo, o primeiro passo já foi dado, mas é preciso colocar em prática todos os requisitos da lei, além de promover melhores conscientizações sobre os tipos de violência e como elas se desenvolvem no seio familiar, muitas vezes, de forma sorrateira e silenciosa, mas que no fim causam estragos avassaladores.


REFERÊNCIAS

 

A trajetória jurídica internacional até formação da lei brasileira no caso Maria da Penha. Âmbito Jurídico. 01 de set. de 2010.  Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-80/a-trajetoria-juridica-internacional-ate-formacao-da-lei-brasileira-no-caso-maria-da-penha/> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 

BRASIL. Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 7 de ago. de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em: 30 de out. de 2020

 

BRASIL. Lei n° 13.984, de 03 de abril de 2020. Altera o art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de  2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer como medidas protetivas de urgência frequência do agressor  a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial. Diário Oficial da União, Brasília, 03 de abril de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20192022/2020/Lei/L13984.> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 

De Oliveira Prates, Simone e Cristina Ramos Quintana, Silmara. DEZ ANOS DA LEI MARIA DA PENHA Evolução do Sistema de Garantia de Direitos no Combate à Violência Doméstica e Familiar no Município de Campinas. Disponível em:

<https://portal.unisepe.com.br/unifia/wpcontent/uploads/sites/10001/2018/06/007_lei_maria_penha.pdf> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 

Fuks, Rebeca. Maria da Penha ativista brasileira. Ebiografia. Disponível em:

<https://www.ebiografia.com/maria_da_penha/> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 

Kariny L. Pontes, Ana e de Azevedo Neri, Juliana. Violência Doméstica: Evolução Histórica e aspectos processuais no âmbito da Lei 11.340/2006. Rev. Jur. FA7, Fortaleza, v. IV, n. 1, p. 201-214, abr. 2007;

 

Madureira Paulo, Bernadeli. LEI MARIA DA PENHA: aspectos gerais e lacunas. Revista Eletrônica da FAMINAS-BH. Disponível em: <https://www.faminasbh.edu.br/upload/downloads/201112061837123613.pdf> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 Maria da Penha: 'A mulher morre quando não há política pública'. Época Negócios, 20 de out. de 2019. Disponível em:

<https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/10/epoca-negocios-maria-da-penha-a-mulher-morre-quando-nao-ha-politica-publica.html> Acesso em: 30 de out. de 2020; 

O que são as ondas do feminismo. Medium. 08 de Mar. de 2018. Disponível em: <https://medium.com/qg-feminista/o-que-s%C3%A3o-as-ondas-do-feminismo-eeed092dae3a> Acesso em: 30 de out. de 2020;

 Taxa de feminicídios no Brasil é quinta maior do mundo. Geledes. Disponível em:

<https://www.geledes.org.br/taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-quinta-maior-do-mundo/?gclid=CjwKCAjwsMzzBRACEiwAx4lLG8GZEifBBGGn2qAvhj0m4uTuZYoG-lXrt09mAf9WbpGeKXJ1QQrjtRoCjgMQAvD_BwE> Acesso em: 30 de out. de 2020.

 

 

 

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